terça-feira, 30 de março de 2010

Entrevista de Dan Weitz sobre mediação

Dan Weitz, Coordenador Estadual de Solução Alternativa de Conflitos, Escritório de Administração de Tribunais de Nova York.

Dan Weitz supervisiona programas de solução alternativa de conflitos para o sistema judicial de Nova York. Em março de 2005, Weitz falou com o Center for Court Innovation’s Carlyn Turgeon sobre mediação.

Como você descreveria a solução alternativa de conflitos?

A melhor maneira de explicar é: encare a solução alternativa de conflitos como um catálogo de processos do qual as pessoas poderiam escolher para resolver seus próprios conflitos. Há em tal catálogo de processos diferentes opções. Tem-se a mediação e a arbitragem. Árbitros são como juízes: eles decidem e estabelecem sentenças arbitrais que são geralmente impositivas às partes. Mediadores não são árbitros. Eles não decidem, não dizem às pessoas o que fazer. Eles auxiliam as pessoas e decidir. O resultado final de uma mediação é normalmente um contrato ou acordo entre as partes, diferentemente de uma sentença judicial ou de uma sentença arbitral. Há também modelos híbridos. Há summary jury trial, onde jurados ouvem apresentações abreviadas do caso e proferem vereditos não impositivos que oferecem uma base confiável para resolução do conflito. Há ainda um processo chamado early neutral evaluation (tradução livre: prévia valoração neutra), na qual as pessoas realizam apresentações abreviadas da mesma forma que eles fariam na presença árbitro, e o neutral evaluator diz o que é bom e ruim sobre o seu caso e talvez prediga um desfecho judicial. Isso normalmente leva a uma resolução.

Qual é a filosofia por trás da mediação?

Um processo como mediação permite maior controle pelas partes sobre ambos o processo e o resultado. O trabalho do mediador é ajudar as pessoas a trocar informação e a ouvir um ao outro, a identificar seus problemas e chegar a alternativas - e esperançosamente as opções vem das partes. O objetivo é oferecer às partes a oportunidade de resolver os seus conflitos nos seus próprios termos e numa forma constantemente justa para as partes. Os meios de atingir justiça que estão disponíveis na mediação são frequentemente mais amplos que os tribunais poderiam determinar. Dessa forma observa-se a mediação sendo usada em casos comerciais complexos nos quais há interesses negociais significativos e as partes querem preservar o relacionamento. Não é somente economizar tempo ou dinheiro. É preservar relacionamentos, tentando encontrar solução de ganha-ganha que é moldada às necessidades específicas das partes.

Observa-se isso em casos familiares, particularmente com questões parentais, onde há disputa pela custódia em que um dos pais ganha e o outro perde, não indicando um bom relacionamento futuro entre as partes. Dessa forma não é somente pelo interesse dos pais, mas também pelo melhor interessa da criança que se faz tudo o que se pode para encorajar os pais a resolver por eles mesmos. E se eles puderem definir um planejamento para a família que eles concordem, eles serão mais propensos a segui-lo, e assim os resultados são mais duradouros.

O mesmo nos casos da comunidade. Existem mais de 50.000 casos que chegam ao programa de assistência social em todo o estado e são sobre disputas entre vizinhos, pessoas com algum tipo de relacionamento conflituoso. Isso poderia ser: disputas entre comerciantes e consumidores, entre o proprietário o morador do imóvel, ou ainda, poderia ser numa disputa multifacetária de larga escala. Qualquer situação na qual há um vencedor e um perdedor em um litígio moroso não é o melhor ou mais eficiente para as partes.

Quanto o mediador intervém na negociação?

Há diferentes níveis de intervenção em que o mediador se envolve. E ocorre todo um debate filosófico sobre qual é o verdadeiro papel do mediador. Sobre o que realmente se discute é quando o mediador torna-se muito envolvido com o mérito das discussões dando opiniões próprias, sugerindo soluções ou, de outra forma, orientando pessoas, incentivando-as a decidir, tornando-se muito mais parecido com uma avaliação neutra ou arbitragem. Apesar de o mediador não ter a autoridade de impor decisões às partes, alguns dirão que ele a possui, pela posição de mediador indicado pelo tribunal. Por isso há muito sendo escrito sobre por que mediadores não deveriam fazer tais coisas., por que eles deveriam apenas ater-se a auxiliar as pessoas a negociar e se entender, sendo a solução consequência disso.Nos casos da comunidade e familiares, observa-se uma aceitação maior da mediação, em que os mediadores mantém realmente suas opiniões para si e apenas ajudam as pessoas a encontrar suas soluções; Nos complexos casos comerciais, difamação pessoal, em que as partes são frequentemente representadas por advogados, mais sofisticadas e tomarão decisões por conta própria sem importar-se com o medidor diz, a opinião do mediador pode geralmente levar o caso a uma conclusão.

As pessoas não costumam escutar uma a outra muito bem quando em conflito. No meio de uma mediação a atmosfera é estabelecida de forma positiva quando as pessoas não se sentem julgadas. Elas não se sentem como se estivessem no meio de uma briga processual, então começam a se sentir mais confortáveis em dividir informações, o que torna o diálogo muito mais produtivo E dessa forma resolve-se mais problemas. Encoraja-se a busca por diversas possibilidades de solução. Frequentemente as pessoas escondem sugestões em frases que contém insultos, e o trabalho do mediador é reconhecer as sugestões escondidas. Assim uma pessoa pode falar algo como: "Eu consideraria deixar você ver as crianças de forma regular, mas eu não gosto do jeito que você fala comigo, ou do jeito que você me tratou no dia de Ação de Graças dois anos atrás". Tipicamente a resposta do ouvinte é algo como: "Ah você quer discutir o dia de Ação de Graças de dois anos atrás agora?" e eles desatam a discutir. Em contraste, o mediador ouviu previamente o que o indivíduo gostaria de obter num planejamento, mas há uma série de coisas que ele quer desabafar primeiro. Assim essas as razões pelas quais o mediador é ouvido, diferentemente das quais um árbitro ou juiz é ouvido. O que realmente interessa é a qualidade da justiça, trazendo à tona a melhor solução para ambas as partes.

Tradução: Luiz Gozzi e Samuel Hübler
Texto Original

domingo, 28 de março de 2010

A mediação, nas palavras da Ministra Andrighi

Sistema multiportas: o Judiciário e o consenso
Folha de São Paulo, 24/06/2008 Tendências e Debates

Nancy Andrighi

As recentes análises sobre a explosão de litigiosidade no âmbito do sistema de justiça têm destacado a cultura excessivamente adversarial do povo brasileiro. Embora esse fenômeno revele uma dimensão positiva ao expressar a consciência dos cidadãos em relação aos seus direitos, o culto ao litígio, porém, parece refletir a ausência de espaços -estatais ou não- voltados à comunicação de pessoas em conflito. Com raras exceções, não há, no Brasil, serviços públicos que ofereçam oportunidades e técnicas apropriadas para o diálogo entre partes em litígio.

Diante de tal carência, as pessoas utilizam os meios de resolução de conflito disponíveis: a aplicação da "lei do mais forte", seja do ponto de vista físico, seja do armado, do econômico, do social ou do político -o que gera violência e opressão; a resignação -o que provoca descrédito e desilusão; o acionamento do Poder Judiciário, cuja universalidade de acesso ainda é uma utopia.

Aqueles que acessam a via judicial enfrentam as dificuldades impostas por um sistema talhado na lógica adversarial. Os profissionais do direito nem sempre dispõem de habilidades específicas para a condução de processos de construção do consenso. Ao contrário, o que se verifica, em geral, é a aplicação de técnicas excessivamente persuasivas, comprometendo a qualidade dos acordos obtidos. Nesse contexto, ainda que o sistema de justiça se esforce em modernizar os seus recursos -humanos, materiais, normativos e tecnológicos-, a dinâmica da explosão de litigiosidade ocorrida nas últimas décadas no Brasil continuará apresentando uma curva ascendente em muito superior à relativa aos avanços obtidos.

Para o sistema operar com eficiência, é preciso que as instâncias judiciárias, em complementaridade à prestação jurisdicional, implementem um sistema de múltiplas portas, apto a oferecer meios de resolução de conflitos voltados à construção do consenso -dentre eles, a mediação.

Por essa técnica, as partes constroem, em comunhão, uma solução que atenda as suas reais necessidades. O mediador não julga, não sugere nem aconselha. O seu papel é o de facilitar que a comunicação seja (re)estabelecida, sob uma lógica cooperativa, e não adversarial.

Além de efetiva na resolução de litígios, a mediação confere sentido positivo ao conflito, pois patrocina o diálogo respeitoso entre as diferenças; o empoderamento individual e social; a consciência das circunstâncias em que repousam os conflitos; a prevenção de futuros litígios; a coesão social e, com ela, a diminuição da violência.

A mediação, ao lado de outras técnicas de edificação do consenso -a conciliação e a negociação-, pode ser manejada por agentes efetivamente capacitados para tal função e adotada tanto nas demandas pré-processuais quanto nas já judicializadas.

O atual arcabouço legal permite, pois, que as instâncias judiciárias sensíveis a novos paradigmas viabilizem um sistema de múltiplas portas que possa gerar um choque de eficiência na gestão judiciária. Indispensável, pois, a destinação de recursos para intensificar as possibilidades de acesso e, sobretudo, qualificar a prestação jurisdicional.

Somente após a consolidação de múltiplas experiências em nível nacional é que haverá elementos para eventual proposta legislativa que regulamente a matéria. Vencidos os desafios institucionais para a implantação do sistema, caberá à sociedade, que legitimamente anseia por justiça e paz, intensa participação para que o exercício do diálogo e do consenso colabore na construção de uma sociedade mais pacífica, coesa e solidária.

Para a abertura dessas múltiplas portas, não se pode conceber a paz social sem a paz jurídica e, por meio da consciência coletiva do dever individual e respeito mútuo, atinge-se uma convivência humana sem diferenças geradoras de conflitos. É o dialogo e a conduta assertiva, ensinados desde os primeiros passos e em todos os cantos, que têm o condão de conduzir a humanidade ao equilíbrio da vida harmoniosa.

A contenciosidade cede lugar à sintonia de objetivos e os rumos da beligerância podem ser abandonados para dar lugar à Justiça doce, que respeita a diversidade em detrimento da adversidade. Descortina-se, assim, uma nova estrada que todos podem construir, na busca do abrandamento dos conflitos existenciais e sociais, com a utilização do verdadeiro instrumento e agente da transformação -o diálogo conduzido pelo mediador- no lugar da sentença que corta a carne viva.

sábado, 27 de março de 2010

Apresentação da proposta de regulamento de mediação - Direito UEM

A Resolução nº. 097/2009-CI/CSA aprovou a reformulação do Projeto Político-Pedagógico do Curso de Graduação em Direito da Universidade Estadual de Maringá, implementando como eixo fundamental do curso os “Direitos Fundamentais[1], amplamente discutidos pela moderna doutrina jurídica.

Dentre as recentes mudanças para o ano de 2010, estão as disciplinas teóricas de Psicologia e Antropologia[2] e a prática de Soluções Alternativas de Conflito, cujo objetivo é “capacitar profissionais a identificar e aprimorar habilidades para o exercício das soluções alternativas de conflitos; desenvolver a habilidade de analisar a estrutura do conlito; desenvolver a habilidade de intervir, a fim de construiu junto com as partes, estratégias que possibilitem a interrupção da escalada do conflito; dominar técnicas de negociação; desenvolver a habilidade para manejar as estratégias utilizadas em mediação e compreender a necessidade de desconstrução dos mecanismos tradicionais da justiça, inclusive na sua versão preponderantemente punitiva, como opção política viável e horizonte desejável para o futuro das instituições do Estado Democrático de Direito, dos Direitos Humanos e da Democracia.

No tocante à ementa da disciplina de Soluções Alternativas de Conflito, destaca-se a “mediação transdiciplinar da prática da cultura da paz nas soluções alternativas de conflitos”, na qual, dentro de uma perspectiva transdisciplinar, busca-se a prática do processo de mediação através da aplicação da teoria do conflito[3] e da teoria dos jogos[4].

Todavia, a prática das técnicas de mediação, como abordagem jurídico-psicológica, depende de uma prévia estruturação de seu procedimento para sua efetiva aplicação em casos reais de mediação dentro da Universidade Estadual de Maringá.

Constata-se então uma relativa escassez doutrinária sobre a mediação e a forma em que se dá o procedimento de mediação.

A partir desta demanda teórica para a instrumentalização da prática de mediação, surge a necessidade de se elaborar um regulamento do procedimento de mediação, contendo referências doutrinárias e estruturação do processo de mediação, a ser implantado no curso de Direito.

A proposta do regulamento do procedimento de mediação tem então por escopo o planejamento teórico, estrutural e instrumental da prática de solução alternativa de conflitos, através da mediação transformativa[5], a ser desenvolvida em 2010 na Universidade Estadual de Maringá pelos acadêmicos do curso de Direito através de um “Regulamento do Procedimento de Mediação”. Desta forma, busca-se, com base no conhecimento doutrinário em teoria geral do conflito; no pensamento da escola norte-americana de alternative dispure resolution (ADR), em especial nas dimensões da mediação propostos por Leonard Riskin e nas teorias de negociação integrativa de Mary Parker Follet; instrumentalizar a mediação na própria Universidade, ajudando pessoas que possuem litígios e conflitos reais, sem necessidade de se recorrer ao Poder Judiciário, que popularmente no Brasil é conhecido pela sua morosidade, altos custos e insegurança. Assim, na perspectiva de uma mediação comunitária realizada por uma instituição pública, o regulamento identifica e determina a forma que se dará todas as etapas necessárias para a efetivação do trabalho de mediação transformativa, tais como a capacitação técnica dos mediadores, a logística do processo de mediação, o atendimento ao mediando, as etapas de pré-mediação, o procedimento a ser adotado nos encontros de mediação, as competências necessárias para a facilitação do processo de negociação integrativa e a própria elaboração dos acordos consensuais obtidos na mediação, dando fim ao processo de mediação.

O regulamento, em última análise, propicia ao acadêmico do curso de Direito (e potencial mediador) material de apoio para o estudo da Mediação e seus conceitos técnico-doutrinários, fundamental para o moderno direito brasileiro e a resolução alternativa de conflitos.



[1] Cf. ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5 ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008.

[2] Ementa: A Psicologia e a Antropologia como leitura do mundo sociocultural. Os fenômenos psicossociais e a sua interface com o Direito. Formação profissional e desafios da interdisciplinaridade. Direitos básicos e suas violações, cidadania, teoria do conflito: mediação, negociação, acordo. Compromisso ético e a contemporaneidade.

Objetivos: Analisar os aspectos psicológicos e socioculturais na interpretação dos processos jurídicos.

[3] Diante da significativa contribuição da moderna Teoria do Conflito por meio de autores como Mary Parker Follet e Morton Deustsch ao apresentarem a definição de processos construtivos de resolução de disputas, pode-se afirmar que ocorreu uma recontextualização acerca do conceito de conflito na medida em que se registrou ser este um elemento da vida que inevitavelmente permeia todas as relações humanas e contém potencial de contribuir positivamente nessas relações. Nesse sentido, com base em construções teóricas de caráter multidisciplinar corroboradas por projetos-piloto existentes no Brasil, pode-se afirmar que, se conduzido construtivamente, o conflito pode proporcionar crescimento pessoal, profissional e organizacional. A abordagem do conflito no sentido de que pode, se conduzido com técnica adequada, ser um importante meio de conhecimento, amadurecimento e aproximação de seres humanos, impulsiona relevantes alterações quanto à ética e à responsabilidade profissional.” In: AZEVEDO, André (org.). Manual de Mediação Judicial. Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, 2009, p. 233.

[4] A Teoria dos Jogos é definida como o ramo da matemática aplicada e da economia que estuda situações estratégicas em que participantes engajam em um processo de análise de decisões baseando sua conduta na expectiva de comportamento da pessoa com quem se interage. Para FÁBIO ALMEIDA, “a idéia de cooperação não é totalmente incompatível com o pensamento de ganho individual, já que, para Nash, a cooperação traz a noção de que é possível maximizar ganhos individuais cooperando com o adversário”.

[5]Mediação transformativa: “Neste modelo, o objetivo do mediador é ajudar as partes a: identificar as oportunidades de empoderamento e reconhecimento de mudanças que possam surgir na própria conversa entre as partes; escolher se é preciso agir e como agir mediante tais oportunidades; e assim modificar suas interações de destrutivo para construtivo, na medida em que as partes exploram pontos específicos da disputa. O sucesso é medido, na mediação transformativa, não pelo acordo, mas pela mudança das partes em direção à fortaleza, capacidade de resposta e interação construtiva. A prática efetiva é focada no apoio ao empoderamento (fortalecimento) e reconhecimento de mudanças, permitindo e incentivando a deliberação das partes e o processo de tomada-de-decisão, bem como a perspectiva inter-partes, de diversas formas”. Tradução livre de acordo com o Institute for the Study of Conflict Transformation, Inc., “transformative framework” (http://www.transformativemediation.org/transformative.htm).

Transformative Mediation: “In this model, the mediator's goal is helping the parties to: identify the opportunities for empowerment and recognition shifts as they arise in the parties' own conversation; choose whether and how to act upon these opportunities; and thus change their interaction from destructive to constructive, as they explore specific disputed issues. Success is measured, in transformative mediation, not by settlement but by party shifts toward strength, responsiveness and constructive interaction. Effective practice is focused on supporting empowerment and recognition shifts, by allowing and encouraging party deliberation and decision-making, and inter-party perspective taking, in various ways”.